Exposição “VIGÍLIA” e “OHNOGRAFIAS”


A exposição da fotógrafa Beth Barone marca o início do ano na Galeria da ABRA-Vila Mariana.



Em Vigília a artista explora a passagem do tempo e desarticula o ponto de vista do observador. 
O trabalho é composto por 12 fotografias tamanho 40cm (A) x 60cm (L), adesivadas sobre placa de alumínio. As fotos deverão ser fixadas sobre a parede com fita dupla-face ou material similar, compondo uma obra única formada por 6 imagens na parte superior e 6 na parte inferior, conforme ilustração abaixo. Após a montagem, o trabalho medirá 80cm (A) x 360cm (L).

 Este trabalho – que reúne fotografias sequenciais de longa exposição do céu numa noite de ventania – estabelece uma relação com o tempo tanto no processo da tomada fotográfica, quanto na apresentação que remete aos frames cinematográficos. Nesse viés de corte temporal, as imagens acumulam os movimentos das nuvens, justamente esse elemento que, segundo Philippe Dubois – em sua análise sobre as nuvens fotografadas por Stieglitz na série Equivalências – “a nuvem é antes de mais nada uma substância corpuscular sem contorno, sem forma definida, sem corpo próprio, uma espécie de véu, de cortina, um lençol de vapores, um condensado de auras – e sobretudo algo que não existe por si só. Ou seja, a nuvem só aparece como objeto visual (…) porquê funciona como traço, como reflexo, como revelador de algo além daquilo a que está fisicamente ligada: por exemplo, a nuvem, ela própria incolor, é aquilo que, pela graça da reflexão, proporciona matéria à luz, a atualiza, a torna visível”[1]. Nesse sentido, o fato das imagens terem sido obtidas com longa exposição numa noite de ventania, acentua esse efeito de véu, esse registro acumulativo, cujo resultado nos remete à pinceladas sobre  papel. Leonardo Da Vinci escreveu  em seus Cadernos: “para representar o vento, além do arqueamento dos galhos, representarás as nuvens”[2]. A lua parada, também presente na maioria das imagens, ao contrário, possui materialidade e impõe sua presença, mesmo que temporariamente difusa por essa passagem. Ao final ela se mostra como único elemento presente no infinito espaço vazio, ela é o que resta.
No recorte espacial há duas abordagens que se misturam e se alternam. Há fotos com recortes fotográficos bem definidos nas quais a presença de um prédio ou mesmo da janela onde se encontra o observador  – que vigia a lua e a passagem das nuvens – nos faz compreender a imagem como fotográfica, trazendo pistas, inclusive, de localização. Porém, há também imagens do céu nas quais o recorte fotográfico – sempre necessariamente finito, fechado e limitado – se dá num “espaço referencial (…) por definição completamente infinito, ilimitado, sem fronteiras e sem ponto de parada”, com a luz refletida difusa da lua como único referencial de apoio.
No dicionário Aurélio a palavra “vigília” significa: “1. Privação ou falta de sono; insônia, lucubração: “Cresce a noite, e a vigília cada vez mais acesa; sem dormir, sonha.”(Antônio Feliciano de Castilho, A Lírica de Anacreonte, p.14.) 2. Estado de quem, durante a noite, vela, permanecendo acordado; vela; velada: a vigília de uma sentinela”.  Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, p.1776

Dubois, Philippe. O Ato Fotográfico, p.202
Dubois, Philippe. O Ato Fotográfico, p.206



Já em Ohnografias a artista mostra duas fotografias do dançarino de butoh Yoshito Ohno nas quais ela  explora a ausência do referente fotográfico. O título faz alusão às famosas Rayografias de Man Ray. Os trabalhos são experimentais e resultam de discussões do Núcleo ABRA de Arte Contemporânea, que estimula artistas no pensar e no fazer artístico contemporâneo.

O trabalho é composto por 2 fotografias do dançarino Yoshito Ohno, tiradas no final dos anos 90, durante uma apresentação de butoh, uma dança tradicional japonesa cuja maquiagem melancólica – com uma pintura branca sobre todo o corpo – procura esconder pele e pelos, tentando revelar as “formas da alma”. Segundo Solange Caldeiras, no butoh “a obra é uma espécie de moldura para a autocontemplação de um olhar que encara o vazio existencial. (…) É necessário luz para se ver o oculto, e este oculto está dentro de cada um”.
As fotografias foram obtidas com uma câmera analógica, cuja película P&B (Tri-X da Kodak) foi utilizada em processo puxado e teve seu tempo de  revelação aumentado. Como pode ser observado nas imagens, o altíssimo contraste que resultou desse procedimento retirou definitivamente qualquer vestígio da figura humana fotografada, resultando numa espécie de sombra branca.
Existem referências na história da origem da pintura que mencionam o uso das mãos que, colocadas sobre uma parede, assoprando-se sobre elas um pó colorido, resultavam numa imagem de “um traço, uma transposição, o vestígio de uma mão desaparecida que estava ali (…) O resultado, imagem de um contorno por contato, aparece assim como uma sombra em negativo, figura em branco, em oco, esvaziada, pintura não pintada (…) obtida por subtração”

Na fotografia, esse padrão de trabalho, também obtido por subtração, aparece nas famosas Rayografias de Man Ray e nos Fotogramas de Moholy-Nagy, imagens obtidas sem câmeras, nas quais objetos são colocados sobre papel fotográfico (sensível á ação da luz) que, após ser sensibilizado e revelado resultam numa imagem branca (do objeto) sobre fundo preto.

Em oposição aos exemplos citados, neste trabalho é a luz refletida oriunda da presença do referente que se inscreve sobre a película registrando o branco absoluto que nos remete diretamente às técnicas de subtração citadas. A foto que deveria atestar que o homem esteve lá, acaba por atestar sua ausência, pois ultrapassa seu referente, congelando-o nesse índice parcialmente autônomo que se move e tenta sair de cena pela representação sequencial executada no ato da tomada.

Os formatos escolhidos para as ampliações estão relacionados aos quadrinhos que utilizam o desenho para contar uma história com acontecimentos sucessivos.

Caldeira, Solange. Butoh: A Dança da Escuridão. Mimus Revista on-line de Mímica e Teatro Físico, ano 1 no.1, pág. 12

Dubois, Phillipe. O Ato Fotográfico. pág. 116. 

Textos e fotos de Beth Barone


De 03 a 29de janeiro de 2011
Galeria da ABRA Vila Mariana
Rua Domingos de Morais, 2267 – Vila Mariana
(próximo ao metrô Sta.Cruz)
SEG a QUI das 9 às 20hs – SEX das 9 às 19hs – SÁB das 9 às 14hs
Entrada Grátis – Estacionamento no local
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